Repactuação e Reajuste nos Contratos de Serviços Contínuos da Administração Indireta.
O Tribunal de Contas da União decidiu no Acórdão nº 361/2006 – Plenário que o reajuste é o mecanismo adequado para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de execução continuada – art. 57, inc. II da Lei 8.666/93. A questão se relaciona, de modo especial, com a “repactuação de preços” prevista na Resolução nº 10 (de 1996) do antigo Conselho de Coordenação e Controle das Empresas Estatais – CCE.
Como se sabe, a dita Resolução nº 10 vedara a previsão de cláusula de reajuste em contratos de execução continuada firmados pelas empresas estatais. Segundo a CCE, a solução adequada para os contratos subordinados ao art. 57, inc. II, da Lei nº 8.666 seria a sua “repactuação”. Isso significava que, por ocasião da renovação do contrato, deveria haver discussão entre as partes relativamente à variação de custos. O novo valor do contrato não poderia resultar da aplicação automática de um índice de variação de preços.
Mas a orientação estabelecida pela CCE não foi aceita pelo TCU, que entendeu que a Lei nº 8.666 determina a obrigatória previsão de índices de reajustes nos contratos administrativos. O TCU estabeleceu “como critério de reajuste de preços a variação efetiva dos custos de produção, admitindo-se a adoção de índice setorial de reajuste”. O Acórdão nº 361/2006-Plenário afirmou que a Res. nº 10-CCE teria inovado a ordem jurídica de modo descabido. Estaria configurada, em suma, a sua ilegalidade.
Não obstante a decisão do TCU, há algumas questões que não podem deixar de ser consideradas, especialmente porque a aplicação exclusiva do reajuste poderá acarretar resultados inadequados.
Em primeiro lugar, é necessário diferenciar reajuste e repactuação. Aquele consiste na previsão contratual da indexação do valor da remuneração devida ao particular a um índice de variação de custos. Já a repactuação nada mais é do que uma revisão de preços, com a peculiaridade de que se prevê a sua ocorrência sempre que se promover a renovação do contrato de execução continuada. Consiste numa avaliação dos custos necessários à execução de um contrato, fazendo-se uma comparação entre dois momentos históricos. No reajuste, apenas se produz a incidência de um incide de variação de preços; na
repactuação (e na revisão) produz-se uma análise da efetiva variação dos custos.
Previu-se a utilização da “repactuação” nos contratos serviços contínuos em vista da previsível amortização de determinados custos necessários à execução da prestação. Ou seja, o preço avençado entre as partes para o primeiro período contratual compreende diversas despesas não renováveis. Ou seja, o preço pago pela Administração durante o primeiro período compreenderá custos que, uma vez amortizados, não necessitam ser novamente compensados. Então, a renovação do contrato significa, sob o prisma econômico, a redução dos custos necessários à execução daquela prestação. Portanto, é procedente afirmar que a manutenção da mesma remuneração originalmente estabelecida corresponderia a um enriquecimento do particular – eis que ele continuaria a ser remunerado por despesas que não incidem sobre a execução do contrato.
A imposição da obrigatoriedade da repactuação refletia o dever de a Administração rediscutir os custos do particular, sempre que fosse promovida a renovação do contrato. Assim, haveria a eliminação de valores atinentes a despesas já amortizadas no período anterior. Ou seja, a efetiva variação de custos do particular pode ser inferior à retratada em índices gerais de preços. A finalidade da repactuação não é negar ao contratado a compensação automática pela elevação de seus custos a cada doze meses, mas sim evitar que a adoção de índices genéricos produza distorções contrárias aos cofres públicos.
Lembre-se que o Decreto Federal nº 2.271/97 — que dispõe sobre a contratação de serviços pela Administração Pública Federal, direta, autárquica e fundacional – proibiu no art. 4º, inc. I, a inclusão de disposições contratuais que permitam a indexação de preços por índices gerais, setoriais ou que reflitam as variações de custos. No art. 5º estabeleceu que os contratos de execução continuada admitem repactuação de preços para ajustar o equilíbrio econômico-financeiro da avença, observado o lapso temporal mínimo de um ano e a demonstração das variações dos custos.
No entanto, é muito possível que a oposição do TCU ao mecanismo da repactuação seja meramente aparente. No fundo, a solução consagrada é muito semelhante àquela até agora praticada sob a égide da Res. nº 10-CCE.
Assim, veja-se que o TCU determinou “(…) que os reajustes de preços nos contratos que vierem a ser celebrados sejam efetuados com base na efetiva variação de custos na execução desses contratos, mediante comprovação do contratado, admitindo-se a adoção de índice setorial de reajuste, consonante prescreve o art. 40, inciso XI, da Lei 8.666/93 (…)” (sem destaque no original).
Tem de admitir-se que a aplicação do índice setorial de reajuste nunca poderá conduzir a resultado que amplie os benefícios do particular em termos não correspondentes à relação original entre encargos e vantagens a ele assegurada por ocasião da contratação. Ou seja, admite-se a adoção de índice setorial de reajuste, o que não significa que a Administração esteja dispensada de investigar a variação efetiva dos custos na execução dos contratos. Essa interpretação apenas torna concreto, para o caso examinada, o princípio constitucional da intangibilidade da equação econômico-financeira dos contratos administrativos.
Em outras palavras, o instrumento do reajuste não pode conduzir nem a benefícios nem a prejuízos para qualquer das partes do contrato administrativo. Como se sabe, se o índice de reajuste for inadequado para assegurar a manutenção da equação econômico-financeira original, caberá a qualquer das partes promover a revisão de preços.
Logo, nunca se poderia adotar interpretação no sentido de que a aplicação do índice de reajuste impediria a verificação dos custos efetivos incorridos pelo particular. Afinal, aplicar índices setoriais para os contratos de execução continuada conduz ao risco de remuneração ao particular acima ou abaixo do valor necessário para a manutenção do equilíbrio contratual. Em ambas as situações, o resultado é a efetiva lesão aos interesses envolvidos na contratação.
Em suma, o equilíbrio econômico financeiro do contrato é uma imposição constitucional a ser preservada por meio de instrumento jurídico plenamente compatível com a natureza do contrato firmado.
Por tudo isso, as características dos contratos de serviços continuados conduz à insuficiência da mera e automática aplicação de índice de reajuste previsto contratualmente. A repactuação é um instrumento apto a garantir a
manutenção da relação originalmente avençada entre as partes relativamente aos encargos e vantagens assumidos.
Para concluir, isso significa que a determinação da obrigatoriedade da previsão de índices contratuais de reajustamento não conduz à eliminação do dever de a Administração examinar, em cada oportunidade em que se verificar a renovação do contrato, os custos efetivamente existentes. Até é possível que não mais haja alusão a uma “repactuação” – mas a denominação é irrelevante. Sempre haverá cabimento de promover-se a revisão de preços. E tal se imporá como dever constitucional da Administração Pública nos casos em que a renovação do contrato ampliar as vantagens ou reduzir os encargos do particular.