JOTA – Nova Lei de Licitações aplica-se às estatais (ao menos, em parte),
Marçal Justen Filho – Coluna Publicistas
Poucas e lacônicas regras da Lei das Estatais sobre nulidades refletem modelo obsoleto consagrado na Lei 8.666
A Lei 14.133/2021 estabelece, no § 1° do art. 1°, que as suas regras (excetuadas as do art. 178) não se aplicam às sociedades estatais disciplinadas pela Lei 13.303. Essa previsão deve ser interpretada em termos.
As poucas e lacônicas regras da Lei das Estatais sobre nulidades refletem aquele modelo obsoleto consagrado na Lei 8.666. O art. 62 da Lei 13.303 alude à convalidação de vício, sem se aprofundar sobre o cabimento. O seu § 2° reitera a previsão tradicional da antiga Lei de Licitações de que “a nulidade da licitação induz à do contrato”.
Na prática, isso conduziu à tendência de aplicar às licitações e contratações das estatais as regras de nulidade constantes da Lei 8.666 – as quais foram abandonadas pela Lei 14.133.
De modo geral, a ausência de aplicação da Lei 14.133 às sociedades estatais decorre do pressuposto de que as suas regras são dotadas de rigidez incompatível com a atividade empresarial. O regime jurídico das sociedades estatais é menos severo e formalístico do que o adotado para as entidades administrativas com personalidade de direito público. As regras sobre procedimento licitatório e regime contratual, quando vinculadas à natureza pública da entidade administrativa, não incidem sobre as sociedades estatais.
Mas há normas da Lei 14.133 que não refletem o regime de direito público e que, por decorrência, são aplicáveis às sociedades estatais. Entre elas, encontram-se aquelas dos arts. 147 e 148, que dispõem sobre a disciplina da nulidade na licitação e na contratação. Esses dispositivos afastaram a solução tradicional do direito público brasileiro e adotaram um modelo muito mais flexível, vinculado às circunstâncias concretas da realidade. Suas regras são norteadas a assegurar a eficiência da atuação das entidades administrativas com personalidade de direito público.
Ora, a exploração empresarial inerente à atividade desenvolvida pelas sociedades estatais exige flexibilidade, exatamente para promover a eficiência.
Seria um paradoxo adotar para as sociedades estatais regime mais rígido e formalista do que o das entidades administrativas de direito público. Isso conduziria à invalidação automática de ato nulo envolvendo licitação e contratação de sociedade estatal, contrariamente ao que se passa quanto à atividade administrativa de direito público. Essa orientação teria como único fundamento a redação do art. 1°, § 1°, da Lei 14.133. Isso é insuficiente. Os demais elementos normativos e métodos hermenêuticos devem ser considerados.
No tema da nulidade, a Lei 13.303 foi superada pela Lei 13.655/2018, que alterou a LINDB e previu, inclusive para as sociedades estatais, a preservação de efeitos de atos nulos.
A eficiência é exigência inafastável quanto à atuação administrativa – especialmente em relação às sociedades estatais. Uma regra orientada à eficiência, embora pertinente à atuação da Administração com personalidade de direito público, também é aplicável às sociedades estatais. Orientação diversa viola a proporcionalidade.
Texto veiculado no JOTA, em 28.12.2021
Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/nova-lei-de-licitacoes-aplica-se-as-estatais-ao-menos-em-parte-28122021