JOTA – O que restou dos manuais de Direito Administrativo foram … os manuais!
Marçal Justen Filho – Coluna Publicistas
Um diálogo com José Vicente Santos de Mendonça
José Vicente é um sujeito brilhante, como fica evidente no seu O que restou dos manuais de Direito Administrativo?, publicado nesta mesma coluna. Ele tem razão em grande parte: a Internet produziu o colapso dos meios tradicionais de produção do Direito Administrativo. Mas essa não é a realidade integral do mundo. Porque a complexidade da realidade é muito maior do que os limites de nosso conhecimento. Esse é o “paradoxo dos Manuais”, que mantêm uma função num mundo em que o menos é mais.
Nem Zé Vicente nem eu falamos do passado. Os grandes Manuais, do período anterior à Internet, foram fundamentais para a consolidação e o progresso do Direito Administrativo. Estamos a examinar os Manuais no contexto do presente e do futuro.
A Internet nos permite acessar conhecimentos ilimitados em extensão e profundidade. Nenhum manual pode ser tão satisfatório quanto as informações disponíveis em nosso computador. A legislação, a jurisprudência e a doutrina são tão acessíveis que não precisamos de manuais. No entanto, a quantidade de informação nos sufoca. É impossível dominar toda essa quantidade de artigos, podcasts, vídeos, entrevistas, comparações! E as contradições e os antagonismos? Cada autor assume a própria posição filosófica. Cada artigo reflete uma concepção distinta do mundo (logo, do Direito).
O conhecimento produzido pela Internet é fragmentado, contraditório, ilimitado. Proporciona dúvidas, tanto quanto soluções. Fomenta debate. Nada disso é mau. Muito pelo contrário, é uma parcela relevante e fundamental da nossa existência. É essencial para a pesquisa jurídica e para a conexão globalizante.
Mas a nossa existência não se reduz a isso, nem pode ser satisfeita apenas por essa via.
O Manual de Direito Administrativo é um esforço de produzir sistematização, racionalização e completude dessa desordem. O tratamento amplo e exaustivo da generalidade dos temas do Direito Administrativo exige a redução da profundidade do tratamento. Em compensação, oferece a ordenação sistêmica e a avaliação comparativa entre as produções isoladas – e, por isso, contraditórias – da doutrina e da jurisprudência. A produção jurídica isolada é reconstruída segundo a concepção unificante do Manual. Cada Manual representa uma aspiração de sistematização do Universo – destinada, por razões intrínsecas, ao insucesso. Nem por isso, o resultado é cientificamente desprezível.
O progresso e o futuro do Direito Administrativo não se reduzem à dimensão do Manual. Não dispensam a Internet. Mas a relevância de todas essas outras fontes do Direito Administrativo não elimina a relevância do Manual. Na linha de frente do progresso do Direito Administrativo estão os grandes questionamentos e os mais brilhantes autores. Lá está José Vicente. Na retaguarda, vêm os Manuais, num esforço de ordenação. Não é um trabalho tão brilhante, mas não é simples. Nessa retaguarda, estamos eu e o meu manual simplificado. Mas todos temos a nossa relevância para o Direito Administrativo.
Texto veiculado no JOTA, em 4.8.2020
Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/o-que-restou-dos-manuais-de-direito-administrativo-foram-os-manuais-04082020